O Caso Gabriela Morrison (Capítulo 3)
Os Fundadores de Etion
“... Todos os anos eram feitos rituais
que celebravam o aniversário da cidade. Porém, o reverendo Moon contava que os
fundadores da cidade eram pessoas misteriosas, com objetivos que iam além da
criação de uma sociedade durável e eficiente. Eles faziam experiências
sigilosas e cultuavam uma espécie de deus ressurgida após o Quase Apocalipse”.
Ocasionalmente
o reverendo Moon fazia suas súbitas aparições perto dos rochedos da praia da
velha Etion. Ele se reunia com os garotos da cidade e contava histórias de
enigmas e mistérios. Suas roupas e seus modos também mexiam com a criatividade
das crianças. Usava roupas longas e escuras, e um capuz que dificultava ver-lhe
o rosto. Suas reuniões começavam sempre nos finais de tarde e se estendiam até tarde
da noite, além do horário que as crianças deveriam estar fora de casa.
Wind
gostava de ficar até mais tarde. Quando todos os amigos se iam, Wind se sentava
nos rochedos e ficava imaginando como haviam sido os fatos narrados pelo reverendo
Moon. Imaginava os personagens, os lugares, as cores e os odores das coisas. Às
vezes, retirava um caderno e uma caneta de sua mochila, e punha-se a escrever
sobre o que ouvira naquele dia. Wind gostava, especialmente, de pensar e
escrever sobre o surgimento da cidade. Desde que acontecera a catástrofe
planetária do Quase Apocalipse, o mundo havia se reorganizado de forma
desordenada. Porém, segundo a lenda – e assim dizia o reverendo Moon – Etion
foi fundada por um hermético grupo de médicos, filósofos e cientistas
sobreviventes do grande desastre. O grupo, juntamente com mulheres, crianças e
honestos trabalhadores braçais, escolheu o local e se instalou ali, criando um
vilarejo prático e autossustentável, que dias depois
tomaria o nome de Etion.
Nas primeiras décadas os habitantes de Etion
sobreviveram com alimentos e recursos naturais, enquanto o grupo de
intelectuais trabalhava para desenvolver tecnologias semelhantes às que eram
usadas antes do Quase Apocalipse. No
entanto, o vilarejo pouco evoluiu tecnologicamente nestas primeiras décadas. A
população aumentava consideravelmente devido à aparição de novos sobreviventes,
que chegaram por terra e por mar. Seus relatos eram muito diferentes entre si,
mas algumas coisas se mantinham em todos eles: os estragos da grande catástrofe
eram incomensuráveis no mundo todo, a energia elétrica já havia sido
reelaborada, ainda que insuficiente, em quase todo lugar, mas não havia meios
de comunicação e os conceitos de lei, ética e moral praticamente não existiam
mais. A violência e a lei do mais forte pareciam vigorar em todos os cantos do
planeta.
Mas não em
Etion.
Em Etion, o
grupo de intelectuais fundadores da cidade criou uma democracia fundamentada em
poucas, mas significativas, leis. Também foram criados os chamados “grupos de
reuniões, ensino e aprendizagem coletivos”. Ali eram debatidos temas sociais,
econômicos, filosóficos, místicos e existenciais de suma importância para o
desenvolvimento da cidade, além de temas pertinentes sobre saúde, educação e
qualidade de vida dos habitantes.
Todos os anos eram
feitos rituais que celebravam o aniversário da cidade. O evento era marcado
pelo próprio ritual e pela seguinte festança regada pela fartura de bebida e
comida.
Porém, – ainda
segundo a lenda – o reverendo Moon contava que os fundadores da cidade não
eram, na verdade, aquilo que se propunham a ser. Eram pessoas misteriosas, com
objetivos que iam além da criação de uma sociedade durável e eficiente. Eles
faziam experiências sigilosas e cultuavam uma espécie de deus ressurgida após o
Quase Apocalipse.
Esses e outros
mistérios haviam sido descobertos em registros de diários de antigos habitantes,
entretanto, tudo que se sabia sobre os intelectuais fundadores de Etion, era
muito pouco. Relatos de reuniões e rituais secretos eram constantes, embora
faltassem informações sobre o conteúdo desses encontros.
Hoje Etion era
uma cidade pequena, com apenas alguns milhares de habitantes e alguns mistérios
que geralmente passavam desapercebidos. Mas já era possível obter toda a
tecnologia de antes do Quase
Apocalipse, e também algumas coisas a mais. As maiores novidades eram importadas
das grandes e longínquas metrópoles. Mas logo muita coisa viria a mudar.
Segundo o próprio reverendo Moon, todo o controle sócio-cultural de Etion
estava em perigo. Essa perturbação da ordem de Etion aconteceria
invariavelmente devido à colossal universidade de Foxwoods e a gigantesca horda
de habitantes que chegaria a Etion. E era isso o que mais atormentava o
reverendo Moon.
Contudo, hoje,
o reverendo estava ali especificamente para contar sobre algo que havia
acontecido há poucos anos atrás. Ele contaria a história da Atropelada. Wind já
tinha ouvido comentários a respeito da Atropelada e o Escritor Louco, mas ouvir
essa história nas palavras do reverendo lhe parecia algo muito mais excitante,
e um dia ele deveria escrever sobre isso, num dia lento e ensolarado em sua
cidade natal, quando sua idade estivesse avançada e tudo que lhe sobrasse fosse
as lembranças do tempo em que viveu em Etion, e os dias em que viveu com
Gabriela Morrison.
2 comentários:
Continue escrevendo.
Quero descobrir mais sobre Etion e suas lendas, assim como saber o que aconteceu no Quase Apocalipse.
Aguardo ansiosa o próximo capítulo.
ah, eu te amo! :)
O próximo capítulo vai fechar essa parte inicial da história e vai dar liga pra uma nova parte. Vai ter muita coisa do conto da "Fada do Dente" (vc já deve ter percebido né..rs)... Só que é um ponto de vista novo e um ambiente diferente. É tipo uma história dentro da outra.. tem muuita coisa pela frente!! hahah Vai surgir muita coisa.. vê se tem um pouquinho de paciência pq logo as coisas vão colar.. :D
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