09 dezembro 2012

O Caso Gabriela Morrison - Capítulo III




 O Caso Gabriela Morrison (Capítulo 3)

 

Os Fundadores de Etion

“... Todos os anos eram feitos rituais que celebravam o aniversário da cidade. Porém, o reverendo Moon contava que os fundadores da cidade eram pessoas misteriosas, com objetivos que iam além da criação de uma sociedade durável e eficiente. Eles faziam experiências sigilosas e cultuavam uma espécie de deus ressurgida após o Quase Apocalipse”.



        Ocasionalmente o reverendo Moon fazia suas súbitas aparições perto dos rochedos da praia da velha Etion. Ele se reunia com os garotos da cidade e contava histórias de enigmas e mistérios. Suas roupas e seus modos também mexiam com a criatividade das crianças. Usava roupas longas e escuras, e um capuz que dificultava ver-lhe o rosto. Suas reuniões começavam sempre nos finais de tarde e se estendiam até tarde da noite, além do horário que as crianças deveriam estar fora de casa.
        Wind gostava de ficar até mais tarde. Quando todos os amigos se iam, Wind se sentava nos rochedos e ficava imaginando como haviam sido os fatos narrados pelo reverendo Moon. Imaginava os personagens, os lugares, as cores e os odores das coisas. Às vezes, retirava um caderno e uma caneta de sua mochila, e punha-se a escrever sobre o que ouvira naquele dia. Wind gostava, especialmente, de pensar e escrever sobre o surgimento da cidade. Desde que acontecera a catástrofe planetária do Quase Apocalipse, o mundo havia se reorganizado de forma desordenada. Porém, segundo a lenda – e assim dizia o reverendo Moon – Etion foi fundada por um hermético grupo de médicos, filósofos e cientistas sobreviventes do grande desastre. O grupo, juntamente com mulheres, crianças e honestos trabalhadores braçais, escolheu o local e se instalou ali, criando um vilarejo prático e autossustentável, que dias depois tomaria o nome de Etion.
        Nas primeiras décadas os habitantes de Etion sobreviveram com alimentos e recursos naturais, enquanto o grupo de intelectuais trabalhava para desenvolver tecnologias semelhantes às que eram usadas antes do Quase Apocalipse. No entanto, o vilarejo pouco evoluiu tecnologicamente nestas primeiras décadas. A população aumentava consideravelmente devido à aparição de novos sobreviventes, que chegaram por terra e por mar. Seus relatos eram muito diferentes entre si, mas algumas coisas se mantinham em todos eles: os estragos da grande catástrofe eram incomensuráveis no mundo todo, a energia elétrica já havia sido reelaborada, ainda que insuficiente, em quase todo lugar, mas não havia meios de comunicação e os conceitos de lei, ética e moral praticamente não existiam mais. A violência e a lei do mais forte pareciam vigorar em todos os cantos do planeta.
        Mas não em Etion.
        Em Etion, o grupo de intelectuais fundadores da cidade criou uma democracia fundamentada em poucas, mas significativas, leis. Também foram criados os chamados “grupos de reuniões, ensino e aprendizagem coletivos”. Ali eram debatidos temas sociais, econômicos, filosóficos, místicos e existenciais de suma importância para o desenvolvimento da cidade, além de temas pertinentes sobre saúde, educação e qualidade de vida dos habitantes.
        Todos os anos eram feitos rituais que celebravam o aniversário da cidade. O evento era marcado pelo próprio ritual e pela seguinte festança regada pela fartura de bebida e comida.
        Porém, – ainda segundo a lenda – o reverendo Moon contava que os fundadores da cidade não eram, na verdade, aquilo que se propunham a ser. Eram pessoas misteriosas, com objetivos que iam além da criação de uma sociedade durável e eficiente. Eles faziam experiências sigilosas e cultuavam uma espécie de deus ressurgida após o Quase Apocalipse.
        Esses e outros mistérios haviam sido descobertos em registros de diários de antigos habitantes, entretanto, tudo que se sabia sobre os intelectuais fundadores de Etion, era muito pouco. Relatos de reuniões e rituais secretos eram constantes, embora faltassem informações sobre o conteúdo desses encontros.

        Hoje Etion era uma cidade pequena, com apenas alguns milhares de habitantes e alguns mistérios que geralmente passavam desapercebidos. Mas já era possível obter toda a tecnologia de antes do Quase Apocalipse, e também algumas coisas a mais. As maiores novidades eram importadas das grandes e longínquas metrópoles. Mas logo muita coisa viria a mudar. Segundo o próprio reverendo Moon, todo o controle sócio-cultural de Etion estava em perigo. Essa perturbação da ordem de Etion aconteceria invariavelmente devido à colossal universidade de Foxwoods e a gigantesca horda de habitantes que chegaria a Etion. E era isso o que mais atormentava o reverendo Moon.

        Contudo, hoje, o reverendo estava ali especificamente para contar sobre algo que havia acontecido há poucos anos atrás. Ele contaria a história da Atropelada. Wind já tinha ouvido comentários a respeito da Atropelada e o Escritor Louco, mas ouvir essa história nas palavras do reverendo lhe parecia algo muito mais excitante, e um dia ele deveria escrever sobre isso, num dia lento e ensolarado em sua cidade natal, quando sua idade estivesse avançada e tudo que lhe sobrasse fosse as lembranças do tempo em que viveu em Etion, e os dias em que viveu com Gabriela Morrison.

                                                                                                           Continua...

2 comentários:

Elisa disse...

Continue escrevendo.
Quero descobrir mais sobre Etion e suas lendas, assim como saber o que aconteceu no Quase Apocalipse.

Aguardo ansiosa o próximo capítulo.

ah, eu te amo! :)

Tatu disse...

O próximo capítulo vai fechar essa parte inicial da história e vai dar liga pra uma nova parte. Vai ter muita coisa do conto da "Fada do Dente" (vc já deve ter percebido né..rs)... Só que é um ponto de vista novo e um ambiente diferente. É tipo uma história dentro da outra.. tem muuita coisa pela frente!! hahah Vai surgir muita coisa.. vê se tem um pouquinho de paciência pq logo as coisas vão colar.. :D

 
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