28 outubro 2012

O Caso Gabriela Morrison - Prólogo (Capitulo I)


Wind 
"... Srta. Morrison foi amor à primeira vista. E à segunda. E à terceira. Depois já não era amor, era simplesmente a Gabriela: curiosidade e fascinação. Era preciso passar cada vez mais horas em sua companhia. Era preciso observar, registrar e anotar. E mesmo assim você seria sempre surpreendido uma e mais uma vez."
     

        Mais tarde, amadurecido, tudo o que desejava resumiu-se a alguns dias lentos e ensolarados na sua cidade natal, em uma casa na qual pudesse envelhecer e contar as estórias do tempo em que se mudou para Etion tudo o que passou com Gabriela Morrison.
        Como um ser humano, ainda nos primeiros anos de vida, Wind se apaixonou por Gabriela. Ela era apenas a garotinha do seu bairro e, provavelmente uma das primeiras pessoinhas de sexo oposto que ele conheceu. Ele não podia se culpar por isso e também não poderia dizer que Gabriela era irresistível, porque ela não era. Na verdade Wind mal se lembra dos seus primeiros anos de vida, mas graças ao seu cérebro curioso e investigativo, ele conseguiu ter uma ampla ideia dos seus primeiros anos. Para isso Wind se utilizava de fotos antigas, de pequenas e infinitas - pois nunca deixavam de surgir - remanescências, as quais ele chamava de "flashs de memória" e, principalmente, dos "relatos quase poéticos de quem convivi".
        Com esse pequeno material até que lhe foi possível desvendar muitas coisas. Foi assim que ele soube que sempre chorava quando seus pais o afastavam de Gabriela. Foi assim que soube que fez "casalsinho" com Gabriela numa apresentação da pré-escola. Foi assim que foi se lembrando das coisas que gostava, das coisas que eram ruins, dos sentimentos que eram agradáveis e dos sentimentos que eram terríveis de sentir... E foi assim que Wind soube que quando criança, foi um sonhador. Sonhava o belo, o indescritível. Tinha uma alma aberta a todos amores, todas minúcias de sentimentos. Seu olhar era belo e brilhante, e tudo era colorido por seu próprio ser, sua própria existência. Sua vida era como um quadro sem tinturas e sem molduras, pronta para recebê-lo com toda sua alegria.
        E Wind pintou cada verbo como quis, cada coisa que conheceu e que lhe foi apresentado. Era tudo novo para ele. Pincelou sem se poupar, sem poupar aos outros. Ora, era tudo tão sensacional, tão mutante, que pintou o fabuloso.
        Foi possível passar longos anos nessa confusão 'incessável' de coloridos rebeldes. Pintando criaturas monstruosas, outras eternamente afáveis, e outras apavorantes mesmo. E Wind sentiu medo pela primeira vez. Confrontou com todos seus monstros e suas belas criaturas com dores, as piores do mundo. Repincelava cada borra que se mostrassem defeituosas. tudo já era duro, repleto de juízos, carregado de emoções - as mais 'incompreendíveis'.
        Cometeu erros quando pintou o amor - pintou-o como em seus sonhos de menino. Este se mostrou de uma perfeição indescritível, 'indizível' mesmo: "as virtudes que mais gosto e defeitos que mais venero". A mais terrível de suas criaturas! O amor, esta criatura tão perfeita, o fascinava e o atraia num escuro cego multicor. Tão absorvente sua austeridade que poucas vezes pôde achá-lo. E Wind encontrou-o em Gabriela.
        Passou a escrever sem limitação alguma. Pintou toda a escuridão a bel prazer. Reinventou cores, sentidos e amou loucamente - com a intensidade de um louco mesmo. E foi feliz desse jeito cá e lá. Mas acontece que sua escuridão agora ia e voltava, e quando ia novamente, não o deixava só, pois ele tinha uma imensidão toda colorida com suas tintas de infância.
        Encantou-se com sua nova capacidade de abstrair, de elaborar. Pegou apressado suas tintas e seu pincel e saiu correndo por suas ruas incríveis e alamedas secretas - como um louco, como um bêbado - rumo a um infinito de cores que ainda nem conhecia. E Wind estava dentro de uma cidade escura que ganhava vida a cada respiração de seus habitantes.
        Etion crescia cada vez mais e seu terreno também expandia. O que, a princípio, era uma cidadezinha de velhos e pescadores, tornava-se agora uma quase metrópole do mundo moderno. Os jovens pintavam seus cabelos e partilhavam do niblet, uma nova droga sintética de prazeres ilimitados.
       

        Etion era uma cidade litorânea, cujo pilar da existência era a grande universidade Foxwoods construída muito tempo após a queda dos famosos cassinos Foxwoods, na alta América. Em conseqüência da grande universidade e a aglomeração de jovens, a cidade se tornou monumento do sexo, das drogas e da música trance. Foram criadas diversas tribos urbanas, rivais em suas crenças, músicas e estilos. A febre pelas casas de shows e a venda de novas drogas sintéticas psicodélicas, ainda não liberadas por lei, aumentaram a criminalidade e principiaram o cenário obscuro e caótico de Etion. A população aumentou significativamente e a cidade foi dividida em duas: a cidade alta e a antiga cidade baixa. Posteriormente, elas ficaram conhecidas como Nova Etion e Velha Etion.
        Enquanto a Cidade Nova era tomada pelas festas, pelas cores e pelas luzes, a Velha Etion era a região pacata dos velhos e dos pescadores.

        Wind contaria sobre as duas Etion: a cidade nova e a cidade velha. Contaria sobre a grande universidade Foxwoods, sobre a praia, a caverna e a ilha. Contaria sobre o alojamento onde morou, sobre o Hotel Palace, onde conheceu Gabriela ainda na infância, e sobre a mansão do escritor louco. Contaria sobre a casa noturna, a estrada perdida e as estórias incríveis que ouvia do Reverendo Moon, quando se reunia com os colegas nos finais de tarde. Contaria sobre o moinho, o porto dos pescadores e a fada assombrada que se desfez em uma explosão de borboletas de sangue.
        Wind contaria tudo o que havia para se lembrar sobre os hábitos e costumes de Etion. Deveria falar do caos da cidade nova e da tranqüilidade da cidade velha. E até mesmo das noites bêbadas nas quais ele descia aos rochedos da Velha Etion para ver o sol nascer.
        Mas antes, deveria falar sobre Gabriela Morrison, a garota mais intrigante que conheceu. A menina trazia o sol da sua cidade de verão. Ela tinha os olhos mais vivos e sorriso mais gentil. Talvez tudo que Wind queria contar fosse somente sobre Gabriela. Sobre a forma como ela viveu e a forma como morreu. E talvez assim ele conseguisse encontrar paz em seu interior amargo. Assim, ele viria a se lembrar que em Etion as cores de verão subiam aos cabelos, enquanto o cinza e a escuridão preenchiam por dentro. E em Etion, prazeres eram alimentos da alma. Ali era possível viver realidades homeomorfas impossíveis de não serem contadas. E Wind não poderia deixar de contar sobre o navegador das dunas de areia e o Lunático de Era, um aficionado pelo medieval que vivia dois períodos da história, travando verdadeiros duelos existenciais.
        Foram as personalidades assim excêntricas que montaram a cidade de Etion. Ou foi o contrário o que aconteceu, como diria a Sra. Patterson. A sra.Patterson era uma velha considerada curandeira e sábia. Ela era mãe do Dr. Robert, o maior bon vivant da velha Etion. Um médico rico e biscateiro. Foi ele quem trouxe à luz o irmão de Gabriela. E na época houve boatos de que ele mesmo era o pai da criança, embora a Sra. Morrison fosse casada há mais de vinte anos.
        Às vezes Wind sonhava que poderia ter vivido realmente um romance com Gabriela, assim como o Lunático de Era fantasiava sobre sua amada Nathalie, sobre as lutas anglo-saxônicas, sobre o malvado tio Octus e os alquimistas, malabaristas, artistas e contrabandistas... Assim, Wind poderia ter mudado o rumo da história de Etion, poderia ter sido participativo e influente. Poderia ter sido político, jornalista, traficante... Poderia ter sido como Gabriela, muito mais intenso. Mas não foi assim que aconteceu. Àquele tempo Wind só sabia observar e observar.
        Nesse ínterim a cidade agiu por si mesma, o teatro ganhou vida - assim como nos contos do Lunático -  e o sol de verão se apagou para sempre da vida de Wind.

                                                                                                                     continua...

6 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito do retorno amigo querido
Tomara que sempre..bjs

Thiago Raddi disse...

Muito bom!!!!

Thiago Raddi disse...

Muito bom mesmo!

ieda thinara disse...

Amigo querido .estou gostando..
bjs

Ariadne disse...

Gostei mesmo!

Tatu disse...

Oi gente!! Valew!!
Já tenho o próximo capítulo, mas tenho que dar uma revisada final. rs Esse fds vou postar.
Estou de mudança, mas vou conseguir um tempinho :D ... Continuem lendo, ta! Vai ficar legal huahuaha

Tenho uma história super longa pra desenrolar. Mas só consigo escrever se souber que tem alguém lendo..rs Valew gente! Logo tem mais aí.. :D

 
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